domingo, 4 de abril de 2010

julgamento do casal Nardoni e vitória do BBB Dourado

Não tenho muita leitura e teorização para analisar fenômenos inseridos no contexto da subjetividade, todavia, a subjetividade esta eminentemente viculada a objetividade, por isso, com o pouco que estudei sobre ideologia na perspectiva do materialismo histórico e dialético, posso arriscar algumas palavras no que se refere a questão da mídia e da violência. Na verdade, tenho estudado um pouco sobre isso, em especial, sobre a influência da mídia na construção do pânico diante da violência urbana. As notícias valorizadas pela Rede Globo (que é a emissora que mais maqueia suas matérias com um ar de seriedade) sempre chamam a minha atenção e nas duas ultimas semanas dois pontos de pauta da emissora, aparentemente independentes, para mim fizeram sentido juntos. Os pontos: julgamento do casal Nardoni e a campanha pelo BBB Dourado. Já era certo que julgamento do casal Nardoni chamaria a atenção, afinal de contas, uma criança foi jogada pela janela. E não foi qualquer criança. A criança era bonita, tinha quarto rosa, roupa da moda infantil e duas famílias de classe média para lhe dar suporte. Esta criança era o ícone da criança feliz. Sim, a menina com quarto rosa! E porque ceifariam a vida de uma criança tão feliz? Acabariam com um futuro tão promissor? Porque o pai e a madrasta a jogariam pela janela? Comoção na certa. Lembremos que as crianças que não têm quarto rosa, nem famílias de classe média para respaldá-las e sofrem violência todos os dias, não ganham tanta visibilidade. Por quê? Talvez porque as crianças já vitimadas pela violência estrutural passam despercebidas diante dos olhos de uma grande maioria que olha para elas e se vê (Vejam: eu escrevi talvez. Mais um alerta: no início do texto disse que não tenho teorização necessária para falar de subjetividade, mesmo assim, quis esboçar algumas idéias aqui no blog). Outra questão importante é o pressuposto de que pais pobres, "sem cultura" naturalmente violentam suas crianças e a situação Isabella destoa este lugar comum. Destoa pois a menina caiu pela janela, como esconder isso? Sabemos bem que a violência doméstica é fenômeno que acontece entre quatro paredes. Quatro paredes de favelas e de condomínios fechados. Há uma diferença essencial: a forma que o "respeito" a vida privada é conduzido. Só isso. O que me faz entender desta maneira é a percepção diante do discurso ideológico dominante. O discurso que naturaliza a desigualdade e que culbalibiza os pobres pela pobreza. Discurso difundido pelo pensamento dominante, que é aderido por todas as classes, inclusive, pelas classes populares (aquelas culpabilizadas pela vida dura que vivem!). A vida saudável de uma criança de classe média torna-se objeto de desejo de todos aqueles não tiveram uma infância a base de "leitinho tipo A", então a identidade se materializa de forma diferente. Ou melhor dizendo, a (des)identidade se mostra como um olhar por uma janela, como o assistir de um filme, de uma novela. Vou caminhar para onde realmente interessa: a comoção popular. O julgamento acontecendo com toda pompa que o "Estado Democrático de Direito" permite e, do lado de fora, pessoas chorando, vestidas de verde e amarelo clamando por justiça. Foi assustador ver a violência nos olhos das pessoas que estavam clamando por justiça (aqui cabe uma informação: o Brasil é um dos campeões no ranking de linchamentos). E o que o BBB Dourado tem haver com essa história? Nada... Nada... Mas eu vi um ponto em comum. O moço, que é tosco ao extremo, grosseiro, machista, homofóbico, enfim, um cara agressivo (para não dizer violento), ganhou o premio de um milhão de reais. Então fiquei pensando que por mais que haja manipulação da emissora, do Pedro Bial e do diabo a quatro (para não escrever palavrão), o povo vota neste troço. Então tentei compreender alguns dos argumentos da vitória daquele cara tosco. Vi na Ana Maria “Brega” alguns artistas de quinta falarem do porquê da vitória do Dourado (a mocinha bonita Débora Secco falou que votou 5 mil vezes nele). Também observei pessoas "comuns" defenderam a vitória do tosco, opa, do moço. Eis o argumento: ele mostrou quem é. Mostrou que os brutos também amam. E este argumento sempre teve na rabeira a desqualificação do outro moço. Do moço que foi “bonzinho” o programa todo. Que foi amigo. Que não comprou encrenca. Que não foi agressivo. Percebi que este moço foi visto com maus olhos por ser considerado “sonso”. E, entre um moço bonzinho considerado sonso e um moço agressivo considerado sincero. O agressivo ganhou disparado. Então fiquei pensando: porque será que o povo gosta de pessoas agressivas? Porque será que dias atrás as pessoas estavam clamando por justiça contra a violência que tirou a vida da menina do quarto rosa e na outra semana decide que um moço agressivo (para não dizer violento) ganhe o premio de um milhão de reais? Quem votou em Dourado foi quem clamou por justiça no caso Isabella? Sim... claro que sim... A Rede Globo, pelo menos sim. E, é claro, a manipulação ideológica, que só existe vinculada com a concreticidade que uma grande força nisso. O trabalhador tem que ser agressivo para sobreviver diante da exploração do trabalho e da ausência dele. Identidade com a personalidade agressiva. As crianças são personagens "indefesos", "vulneráveis", então há a comoção diante da violência contra este segmento social, em especial daquela criança que tinha uma vida "boa" pela frente. Identidade com a inocência de Isabella.
Então eu me pergunto: que movimento é esse? Sim, este é o movimento que a sociedade contemporânea se encontra. É a violência e seu lugar instável, todavia, presente. Sempre presente. Se a violência é hoje criticada por mim, amanhã ela pode ser defendida. Depois de amanhã posso agir com violência, ou sofrer, por conta dela.
A violência é fenômeno histórico, complexo e multifacetado. A violência não é privilégio do modo de produção capitalista. Mas, é na sociabilidade capitalista que vivemos, por isso, não podemos compreender a violência apenas a partir da ótica cultural e ideológica. A violência é fenômeno inserido nas relações materiais. E em uma ordem que se organiza a partir da desordem da essência humana; em uma ordem que desumaniza; em uma ordem que utilizada cotidianamente da instrumentalidade da violência (como ensina Hannah Arendt) para se manter; É certo que a confusão se estabelece e é normal clamar por justiça contra uma ação violenta e na mesma semana torcer por uma personalidade agressiva. Eis mais uma contradição!
Por isso, só é possível fechar este texto com Bertold Brecht

“Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve ser impossível de mudar”.



PS: Em tempo, coloco que não estou julgando o BBB, até porque não tenho como perder meu precioso tempo assistindo um reality show... O pouco que vi do moço não gostei. É só isso.

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